“Poderíamos casar. Não
chegaríamos sequer perto do exemplo de família perfeita. Teríamos um
apartamento, quem sabe uma casa com jardim e um cão com pêlo brilhante.
Improvável. Tomaríamos café as cinco da tarde. Você reclamaria o fato de eu ligar o
chuveiro horas antes de ir para o banho. eu, por você ter arranhado meu cd de
jogo favorito. eu não admitiria o quanto você fica bonito quando bravo e você
não diria que lembra da cor do sapato que eu usei quando nos vimos pela
primeira vez. Discordaríamos quanto a cor das cortinas. Não arrumaríamos a cama
diariamente, beberíamos juntos em algum club no final de semana. A geladeira
seria repleta de congelados e coca-cola, o armário, de porcarias. Adiaríamos o
despertador umas trinta e duas vezes só para ficarmos horas na cama enrolando e
falando qualquer besteira. você me ensinaria alguma coisa sobre futebol, e eu
te convenceria a assistir aquele filme no cinema. Sentaríamos na sala de pijama
e pantufas, você iria direto para o caderno de esportes no jornal e eu comentaria
alguma notícia qualquer. Você saberia o nome do meu perfume, eu saberia onde
você largou a última edição da revista de música. Sairíamos pra jantar em algum
dia de chuva e não nos importaríamos em chegarmos encharcados. Dormiríamos com
o computador ligado. Nos beijaríamos no meio de alguma frase. Você pegaria no
sono com a mão no meu cabelo e eu, escutando sua respiração. Eu riria sem
motivo e você perguntaria porque, eu não responderia. Saberíamos. Poderíamos
casar…”
SOBRE A AUTORA: Caio Fernando Loureiro de Abreu foi um jornalista, dramaturgo e escritor brasileiro. Apontado como um dos expoentes de sua geração, a obra de Caio Fernando Abreu, escrita num estilo econômico e bem pessoal, fala de sexo, demedo, de morte e, principalmente, de angustiante solidão. Apresenta uma visão dramática do mundo moderno e é considerado um ''fotógrafo da fragmentação contemporânea".